O ÚLTIMO DOS BALADEIROS
LONGE DAQUI
Pedro Barroso
Nascemos no alto mar
No meio da tempestade
Ali a meio caminho
´tre o cabo das tromentas
E o céu do paraíso
A alma mareante
O fogo de san telmo
O luto o desespero
Pel´ alegria breve
De navegar um instante
Um século uma história
Enquanto fabricámos
No ventre do porão
Paixão
Depois cuidadamente
Encheram-te a cabeça
De histórias de aventuras
De batalhas de ourique
Reis mouros esmagados
De heroísmos vários
De feitos de bravura
De mundos viajados
Poemas inflamados
Agrei prestes joão
O mapa cor de rosa
A virgem aparecida
El rei d. sebastião
Um império mundial
Caramba!
Às vezes perguntámos
Parando por momentos
Num vendaval de santos
Conquistas embaixadas
Com conchas de ouro ao papa
Marfins e arrecadas
A gente sempre a olhar
A olhar
Sentíamos
Mar nas veias
E febres de partir
Encantos de medeias
Tentações de fugir
Mas ficávamos amarrados
Ao convento de mafra
Chorando o desencanto
De ficar
Que o forte forte vento
Não nos deixava enfim
Nem estradas de sair
Nem estradas de chegar
Nem traços de partir
Nem posses de alcançar
Por dentro do futuro
Adiante
E tinhas por razão que o certo mesmo
Podia ser aquilo, podia ser o vento
Podia ser a história, que há tantas tantas formas
De a gente dar memória
E às vezes o silêncio te dizem que é dourado
Mas um homem fica parvo
Com a força do futuro contida no passado
E devotadamente, aljubarrotamente
Crê
E conformado crendo
Que as nossas aventuras
Só foram pela canela pimenta e especiarias
E só fomos heróis em terras e lonjuras
Por querermos espalhar a fé e as teorias
Que nunca violámos
Que nunca escravizámos
Nem traço de chicote nem outras judiarias
Nem alma de ladrão morrida nas galés
E ao mar!
De 30 em 30 anos
Às vezes mais 50!
Até acreditámos rumamos à tormenta
Batemo-nos a vamos
pra liça do futuro
com a nossa força grande
antiga
Mas contados plos dedos
Assuntos bem saldados
Ficaram intenções
Castelos abandonados crianças sem saber
O sol prós reformados
Remessas de emigrante
E o mar
Que eles voltam sempre
Cinzentos sorridentes
Cheirosos influentes
De todos os quadrantes
E por todas as frentes
Com rapidez te amansam
Com polimento avançam
E zás...
Nas grutas de uma vida
Um homem muda tanto
E de criança a velho
E de truão a santo
O salto é tão pequeno
O trilho tão estreito
Tantos pavores na fronte
Tantos calores no peito
Tanto ouro na corrida
E a força da razão e a força da subida
Mãos quentes de bater
Mãos magras de sangrarem
E quanto mais procuras ou mais te procurem
- caíste!...
tentas saber como é
e tentas aprender
aprendes a sorrir aprendes a esconder
aprendes a vender aprendes a comprar
aprendes té amar
assim assim, se tanto, desconfiadamente
a engolir o pranto
a não te olhares de frente
enquanto sonhas longe
ai tão longe daqui e tão
diferente
E embarcas pelo deserto
Resolves-te a partir
Juntando três amigos sem jeito ao despedir
Duas frases erradas
- não era nada disto
que eu vos queria dizer
e vais
E é natural que sintas
Vontade de o fazer
Vontade de viver
Aquilo que não te dão
Para isso tenta a china
O laos o alaska a índia
A tailândia o japão
O barhein!
E rumas na paisagem dominado pela cor
Três trapos pra viagem
Um cesto um cobertor
Impostos declarados
A alma decretada
Passaporte conforme
E um pão
E gritas ao silêncio
E vai saber-te bem
Gritar sob os comboios nas pontes quando passam
Ficaram tantos tipos
Olhando pela janela a sua própria vida
Tu não
Lá longe no deserto
Relembras o teu silêncio
Tão longe na distância
No peito ali tão perto
E vem-te à boca o travo
Dessa questão eterna
Do ir ou do voltar
E tu...
6 Comments:
épico, diria eu...
Grande, mas, como diz a Polegar, épico.
uma balada grande e muito especial de um grande "baladeiro".
Lindo.
Pude lê-la toda, cantando (quem diria) e soube-me mesmo bem.
Este é sem dúvida um dos maiores posts que já vi! Neste caso quantidade é igual a qualidade
Bjs
pedro, o coerente.
nas tardes de sábado há pedro barroso no éter que deambula pela cozinha da casa dos pais.
bom apontamento. cumprimentos ao talento.
Mesmo muito bom, Knuque!
Abraço.
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