setembro 13, 2005

O ÚLTIMO DOS BALADEIROS

LONGE DAQUI

Pedro Barroso

Nascemos no alto mar

No meio da tempestade

Ali a meio caminho

´tre o cabo das tromentas

E o céu do paraíso

A alma mareante

O fogo de san telmo

O luto o desespero

Pel´ alegria breve

De navegar um instante

Um século uma história

Enquanto fabricámos

No ventre do porão

Paixão

Depois cuidadamente

Encheram-te a cabeça

De histórias de aventuras

De batalhas de ourique

Reis mouros esmagados

De heroísmos vários

De feitos de bravura

De mundos viajados

Poemas inflamados

Agrei prestes joão

O mapa cor de rosa

A virgem aparecida

El rei d. sebastião

Um império mundial

Caramba!

Às vezes perguntámos

Parando por momentos

Num vendaval de santos

Conquistas embaixadas

Com conchas de ouro ao papa

Marfins e arrecadas

A gente sempre a olhar

A olhar

Sentíamos

Mar nas veias

E febres de partir

Encantos de medeias

Tentações de fugir

Mas ficávamos amarrados

Ao convento de mafra

Chorando o desencanto

De ficar

Que o forte forte vento

Não nos deixava enfim

Nem estradas de sair

Nem estradas de chegar

Nem traços de partir

Nem posses de alcançar

Por dentro do futuro

Adiante

E tinhas por razão que o certo mesmo

Podia ser aquilo, podia ser o vento

Podia ser a história, que há tantas tantas formas

De a gente dar memória

E às vezes o silêncio te dizem que é dourado

Mas um homem fica parvo

Com a força do futuro contida no passado

E devotadamente, aljubarrotamente

Crê

E conformado crendo

Que as nossas aventuras

Só foram pela canela pimenta e especiarias

E só fomos heróis em terras e lonjuras

Por querermos espalhar a fé e as teorias

Que nunca violámos

Que nunca escravizámos

Nem traço de chicote nem outras judiarias

Nem alma de ladrão morrida nas galés

E ao mar!

De 30 em 30 anos

Às vezes mais 50!

Até acreditámos rumamos à tormenta

Batemo-nos a vamos

pra liça do futuro

com a nossa força grande

antiga

Mas contados plos dedos

Assuntos bem saldados

Ficaram intenções

Castelos abandonados crianças sem saber

O sol prós reformados

Remessas de emigrante

E o mar

Que eles voltam sempre

Cinzentos sorridentes

Cheirosos influentes

De todos os quadrantes

E por todas as frentes

Com rapidez te amansam

Com polimento avançam

E zás...

Nas grutas de uma vida

Um homem muda tanto

E de criança a velho

E de truão a santo

O salto é tão pequeno

O trilho tão estreito

Tantos pavores na fronte

Tantos calores no peito

Tanto ouro na corrida

E a força da razão e a força da subida

Mãos quentes de bater

Mãos magras de sangrarem

E quanto mais procuras ou mais te procurem

- caíste!...

tentas saber como é

e tentas aprender

aprendes a sorrir aprendes a esconder

aprendes a vender aprendes a comprar

aprendes té amar

assim assim, se tanto, desconfiadamente

a engolir o pranto

a não te olhares de frente

enquanto sonhas longe

ai tão longe daqui e tão

diferente

E embarcas pelo deserto

Resolves-te a partir

Juntando três amigos sem jeito ao despedir

Duas frases erradas

- não era nada disto

que eu vos queria dizer

e vais

E é natural que sintas

Vontade de o fazer

Vontade de viver

Aquilo que não te dão

Para isso tenta a china

O laos o alaska a índia

A tailândia o japão

O barhein!

E rumas na paisagem dominado pela cor

Três trapos pra viagem

Um cesto um cobertor

Impostos declarados

A alma decretada

Passaporte conforme

E um pão

E gritas ao silêncio

E vai saber-te bem

Gritar sob os comboios nas pontes quando passam

Ficaram tantos tipos

Olhando pela janela a sua própria vida

Tu não

Lá longe no deserto

Relembras o teu silêncio

Tão longe na distância

No peito ali tão perto

E vem-te à boca o travo

Dessa questão eterna

Do ir ou do voltar

E tu...

6 Comments:

Blogger polegar said...

épico, diria eu...

12:01 da tarde  
Blogger Indibiduo said...

Grande, mas, como diz a Polegar, épico.

12:13 da manhã  
Blogger Unknown said...

uma balada grande e muito especial de um grande "baladeiro".
Lindo.
Pude lê-la toda, cantando (quem diria) e soube-me mesmo bem.

2:12 da manhã  
Blogger Sofia said...

Este é sem dúvida um dos maiores posts que já vi! Neste caso quantidade é igual a qualidade
Bjs

1:58 da tarde  
Blogger mr pavement said...

pedro, o coerente.

nas tardes de sábado há pedro barroso no éter que deambula pela cozinha da casa dos pais.

bom apontamento. cumprimentos ao talento.

1:23 da manhã  
Blogger francisco carvalho said...

Mesmo muito bom, Knuque!
Abraço.

12:26 da manhã  

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