Quando desço de elevador fecho os olhos.
Imagino-me a descer, descer, descer até às entranhas da terra.
Quando a porta abre, estou naquele inferno que o Woody Allen põe nos filmes, quente, muito quente mesmo, mas que ao mesmo tempo tem algo de simpático e
sexualmente cool.Confesso que não sei o que quer dizer
sexualmente cool, porque se soubesse não estaria a dar esta justificação.
Ouço Stevie Wonder na grafonola, "Hotter than July".
Por falar em entranhas da terra, há uns bons dez anos quando fui a Estremoz numa visita de estudo pela Escola de Gestão e Recursos Humanos - Zona Sul, vi perto do largo principal, que também se chama Rossio, junto da entrada da Igreja de São Domingos, uma orelha gigante esculpida em mármore branco.
Estremoz é forte em mármore.
A camâra tinha convidado escultores da ESBAL, alunos e professores a demonstrarem a pureza e a qualidade do material.
Ao ver aquela orelha monstruosa, disse para comigo, mas o tipo que esculpiu isto ainda é mais estúpido que Van Gogh.
Porquê?
Porque Van Gogh retalhou a orelha ao seu corpo terra, massa corpo, e o dito escultor fez ainda pior, roubou o mármore à terra mãe, à mãe planeta.
Muito embora se tenha vindo a confirmar que Van Gogh sofria de... algo que o levou ao sanatório.
Um espécie de zumbido e dores fortes.
Às vezes sinto isso a descer o elevador.
Também são dezanove andares.
A verdade é que Van Gogh no dia anterior à sua morte assistiu a uma tourada, e viu o matador a oferecer a orelha do touro a uma dama na bancada.
Ele de forma a elevar a dor ofereceu-a a uma prostituta.