O Talento da Mediocridade: janeiro 2005

PORTAS Houyhnhnm e SANTANA Yahoo

"Mas, diz-me, por favor, como é possível que aquilo que eu disse há tantos anos e a cinco mil léguas de distância, num reino estrangeiro, seja aplicado a qualquer dos Yahoos, que presentemente é suposto governarem o nosso rebanho, sobretudo quando eu não pensava, ou antes, receava a infelicidade de viver sujeito a eles?(...)

Tenho eu ou não razões de sobra para me lamentar, quando deparo com esses mesmos Yahoos instalados em carruagens puxadas por Houyhnhnms, como se fossem estes os brutos e aqueles as criaturas racionais?(...)

Peço-te que te lembres, por favor, quantas vezes te não pedi, quando apelavas para o bem público, que considerasses que os Yahoos eram animais absolutamente incapazes de se corrigirem, quer pela lição quer pelo exemplo."

De As Viagens de Gulliver
(parte IV - Viagem ao país dos Houyhnhnms)
de Jonathan Swift

JONATHAN SWIF (1667-1745)
Escreveu As Viagens de Gulliver em 1726,
sátira cáustica, não só da sociedade,
como da mesquinhez do género humano.

O ou A Personagem

PERSONAGEM: Embora alguns puristas considerem galicismo o emprego do substantivo personagem como Masculino e o Vocabulário da Academia das Ciências de Lisboa só o registe como Feminino, bons escritores e mestres da Língua empregam o termo no masculino. (do lat. Persona)
do "Dicionário Luso-Brasileiro"

A diz:
“Olá, tu é que és O personagem desta história?”

O responde:
“O, não! A personagem da história?”

A reclama:
“Desculpa lá, A personagem desta história sou eu, tu és O personagem.”

O responde:
“Suponhamos: mesmo que eu fosse O personagem e tu fosses A personagem, o que é que tens estado a querer dizer?

A diz:
“Que nesta história sou eu A... Protagonista!”

O responde:
“O Protagonista sou eu!”

“UMA PERSONAGEM, SENHOR, PODE SEMPRE PERGUNTAR A UM HOMEM QUEM ELE É.”

Luigi Pirandello

CONFLITO DRAMÁTICO

Um homem procura o suicídio colocando o seu jipe na linha do comboio. Num último momento desiste. O jipe provoca o choque de três comboios, 11 mortos e duzentos feridos. As autoridades dizem que o indivíduo vai ser condenado à pena de morte, sob acusação de homicídio.

O homem diz:
“Obrigado meu Deus, sois grande e misericordioso.”

Um especialista em Direito diz:
“Podemos concordar que ele foi egoísta e estúpido (...) devendo ser punido com severidade. Mas pena de morte? A pena de morte é aplicável a crimes em que o infractor tenha tido a intenção de matar.”

O homem diz:
“Obrigado, muito obrigado, obrigadíssimo a todos!”

Homem sem Cara

“Há pouco, pensando nas palavras de Montano, lembrei-me de A Memória de Shakespeare, aquele conto de Jorge Luís Borges que surgiu de um sonho que o escritor argentino teve num quarto de hotel de Michigan, quando viu um homem sem rosto que lhe oferecia a memória de Shakespeare; não lhe oferecia nem a fama nem a glória – que teria sido trivial –, mas sim a memória do escritor, a memória da tarde em que ele escreveu o segundo acto de Hamlet.”

O Mal de Montano, Henrique Vila-Matas

CONFLITO DRAMÁTICO 2

Uma mulher com uma certa idade entra em coma profundo depois de sofrer um ataque cardíaco. O marido também com uma certa idade acompanha a mulher durante quatro longos meses, mas perde toda a esperança de ver a sua mulher melhorar e suicida-se, intoxicando-se na garagem da casa com fumo do tubo de escape.

Ettore diz:
“Não regressas Rossana e por isso morro!”

Menos de 24 horas depois, a mulher acorda na cama do hospital e a primeira coisa que fez foi perguntar pelo marido.

Rossana murmura:
“Amo-te e por ti vivo!
Onde está Ettore?”