fevereiro 28, 2005

TRUQUE DE MAGIA



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fevereiro 27, 2005

FESTA DO SENHOR DAS NAUS

Narrador 1
Juro que não quis ofender o senhor Lavaccara, nem da primeira nem da segunda vez, como andam a dizer na aldeia. O senhor Lavaccara pôs-se a falar-me de um porco e queria convencer-me de que era um animal inteligente.

Narrador 2
Eu então perguntei-lhe: Desculpe, o porco é magro?

Narrador 1
E eis que o senhor Lavaccara olha para mim como se a pergunta tivesse a intenção de ofender, não o animal de que era proprietário, mas a si próprio.

Narrador 2
Respondeu-me: Magro? Pesa mais de um quintal!

Narrador 1
E eu então disse-lhe: Desculpe, julga que é inteligente?

Narrador 2
Estávamos a falar do porco.

Narrador 1
Mas o senhor Lavaccara, com toda aquela rósea fartura de carnes tremulantes, julgou que eu depois de ofender o porco o quisesse ofender a ele, como se tivesse dito que a gordura exclui a inteligência.

Narrador 2
Mas, repito, era do porco que estávamos a falar.

Narrador 1
Não tinha pois nada o senhor Lavaccara que fazer uma cara tão feia nem que perguntar-me:

Narrador 2
Então eu, na sua opinião?...

Narrador 1
Apressei-me a responder-lhe: Mas o que é que o senhor tem a ver com isto, caro senhor Lavaccara? O senhor é porventura um porco?

Narrador 2
Desculpe. Quando o senhor come com esse belo apetite, que Deus o conserve até ao fim da vida, para quem come? Come para si, não engorda para os outros. Um porco pelo contrário julga que come para ele e está mas é a engordar para os outros.


(versão dramatizada)
Luigi Pirandello

fevereiro 24, 2005

DESCOBRE-ME


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fevereiro 22, 2005

CONFLITO DRAMÁTICO 3

Um homem e uma mulher totalizam dezassete anos de casamento.
Estão reunidos no escritório do advogado a fim de acertarem o divórcio. O dito escritório está situado no décimo sétimo andar da torre Um do World Trade Centre. O dia é largamente conhecido.


ADVOGADO
É mesmo isso que querem?
(confirmam abanando a cabeça)
Não pretendem reconsiderar?

ELA
Não.

ELE
Também não.

ADVOGADO
Muito bem…

ELA
Mas gostava que ele me desse um... beijo.

ELE
Claro que dou.
(beijam-se)

ADVOGADO
Óptimo e agora só têm de assinar aqui…

Ouve-se um estrondo violento. O advogado ao procurar saber o que se passa desaparece. Emerge o medo, instala-se o pânico.

ELE
É fumo é fogo por todo o lado!
Que fazemos?

ELA
Saltamos!

ELE
Gostava que me desses um... abraço.

ELA
Claro que dou.
(saltam)

fevereiro 20, 2005

Tomaste partido OFÉLIA?


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GOSTAVA TANTO DE GOSTAR DO MEU PAÍS

Se o resultado for tão bom como a pêra que acabei de comer, ficarei duplamente satisfeito.

fevereiro 17, 2005

Versão dramatizada do Futuro

Narradora:

Nunca houve em toda a montanha pastor como o Gabriel.

Narrador:


- Merecias outras ovelhas, homem!

Narradora:

- disse-lhe um dia o Prior, desanimado da anarquia dos seus paroquianos, quando viu o rebanho do rapaz atravessar e estrema dum centeio sem tirar uma dentada.

Narrador:

- Deus me livre! Já me vejo maluco com estas...

Narradora:


Mentira. O padre tinha razão. Era uma pena ver tanta autoridade,
tanta vocação, tanto jeito natural, ao serviço de animais. Nem se pode fazer ideia! O carneiro mais teimoso, mais lorpa, mais churro, chagava às mãos do Gabriel e mudava de condição. Só não ficava a falar.

Narrador:

- Que fazes tu ao gado, criatura? Parece que o enfeitiças!

- Nada. Dou-lhe monte, como a outra gente.

Narradora:

Sorria. E lá continuava a educar os malatos com gestos e palavras
que ninguém sabia fazer nem dizer. Nunca batia numa rês. O castigo era um simples olhar reprovativo, um assobio impaciente, uma interjeição mal humorada. Mas bastava. Ao fim de algum tempo, cada cabeça como que porfiava em não desagradar ao dono, em viver sintonizada com aquele governo sem cajado. E dava gosto ver a disciplina com que o rebanho deixava o redil e atravessava o povo.

Narrador:

- Não há dúvida! Nem o mestre na escola!

Narradora:
Continuava a rir-se por dentro. Espantava-se com pouco. Com a
pequenina amostra do que estava por detrás...
Na verdade, toda aquela disciplina tinha um fim, e era muito mais
apertada do que parecia. Como os pastos no Verão escasseavam só havia uma solução: aceivar os nabais de noite, pela calada. Ora, para Áfricas dessas, o Gabriel necessitava de gado mudo e lesto, cegamente obediente ao comando. Por isso, sem dizer porquê nem por que não, exigia sistematicamente dos patrões que vendessem os carneiros mancos ou rebeldes, e ninguém ouvia o balido de nenhum.

Narrador:

- O teu gado não berra?

- Pergunta-lhe.


Fragmento de
O PASTOR GABRIEL
de Miguel Torga

fevereiro 16, 2005

Põe os olhos em mim


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OS CANHÕES DE NAVARONE

Para aqueles que me pedem "Gajas, gajas e mais gajas..." cá vai:
Cantiga de Escárnio e Maldizer, no dia em que tive de suspender
a minha campanha por razão nobre.

Luzia Sánchez, jazedes en gran falha
comigo, que non fodo mais nemigalha
dua vez; e, pois fodo, se Deus mi valha,
fiqu'end 'afrontado bem por tercer dia.

Par Deus, Luzia Sanchez, Dona Luzia,
se eu foder-vos podesse, foder-vos-ia.

(Luzia Sanchez ficais em grande falha,
pois só fodo uma vez na nossa batalha
e, depois de ter fodido. Deus me valha,
fico afrontado até ao terceiro dia.

Por Deus, Luzia Sanchez, Dona Luzia,
se eu foder-vos pudesse, foder-vos-ia.

Da recolha de ORLANDO NEVES)

CONTOS MINÚSCULOS 2

Clemência e as irmãs

Nas traseiras do meu prédio, numa parte escondida e amistosa, onde o senhor sol consegue espreitar por uma fresta da largura de um lápis, vive Clemência. Se o espectador olhar com atenção, poderá observar que no cantinho do quintal cresce uma laranjeira. Terá agora dez anos – digo eu. Clemência? Não, a laranjeira. Porque será que a árvore nunca deu laranjas? Não? Nunca. Mas esta laranjeira é especial, demasiado especial para Clemência. Porquê? Ao romper o dia, Clemência acorda as irmãs e desce, sem os pais saberem, para junto da laranjeira. Dão as mãos e pulam ao redor da árvore. As três irmãs: Clemência, Indulgência e Brandura aguardam o milagre. Os gritinhos e guinchinhos das meninas arrebitam as folhas, e nós espectadores atentos, vemos brotar na árvore, como se de frutos se tratasse, brinquinhos, anéis e gargantilhas. Elas sorriem excitadas e ornamentam orelhas, pescoços e dedinhos. Meu deus! Porque gritam elas agora? Tão alto!

Para moscovo... para moscovo...

fevereiro 13, 2005

OS MEUS DOMINGOS À TARDE


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fevereiro 12, 2005

Faltam oito dias para as eleições, mas...

Ao que isto chegou!

Dia 11 de Fev., sexta-feira, página 51 do jornal Público:

“ATENÇÃO

A TODOS OS CIDADÃOS CANADIANOS

RESIDENTES OU TURISTAS EM PORTUGAL

O Governo Canadiano informa os seus cidadãos que se devem inscrever

na Embaixada do Canadá a fim de poderem ser contactados em caso de SITUAÇÃO DE EMERGÊNCIA.”

(O alerta continua em inglês - EMERGENCY SITUATION e françês - EN CAS DE SITUATION D'URGENCE ... registe-se na embaixada em Lisboa)

Os Jornais que publicam estes avisos ficarão ainda mais ricos do que já são, porque:

o TOGO, país de um eterno ditador, a COREIA DO NORTE, que finalmente assume o seu arsenal nuclear, tornando amarelo o sorriso de Condoleeza, a CHINA que mais tarde ou mais cedo mudará todo o nosso comportamento civilizacional…

todos os países terão a necessidade de informar os seus cidadãos para a situação de emergência em que poderão cair, caso permaneçam no país onde a última grande revolução, não permitiu que o povo visse sangue.

fevereiro 09, 2005

MÓNICA KNUQUE

Mónica

Por que é que uma mulher gosta de um homem? Por que é que o cão obedece ao dono? Por que é que a água limpa, limpa o que está sujo? Por que é que a cerveja encharca o fígado? Por que é que o mar recicla a maré negra? Por que será que a escultura de granito dura mais tempo? Por que é que a dor de cabeça passa? Por que é que o cancro aparece, sem dizer: querido(a) cheguei? Por que será que o bocejo tem breve duração? Por que artes terá o comboio de andar num trilho? Por que razão terei prematuramente cabelos brancos? Por que é que a morte entra, sem bater à porta, Woody? Por que é que o pó assenta sem darmos conta? Qual a velocidade do fogo num incêndio?

Pai

Basta! Pára! Stop. Filha, pára! É tudo muito simples. Se comprares a colecção os mistérios do mundo e da ciência, lá encontrarás tudo.

Saberás a resposta para tudo.

Mónica

Tudo?

Pai

Quase tudo.

Mónica

Dás-me a colecção?

Pai

Talvez, no Natal...

fevereiro 08, 2005

CARNAVAL


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fevereiro 05, 2005

SECA


© Colagens de knuque

fevereiro 03, 2005

Da Imprensa Regional para o trabalho Artístico

Comprei hoje o jornal BONFIM Actual que ocupa a 14ª posição do ranking dos quinzenário mais lidos do Distrito do Porto.
(Estudo de audiências "Bareme/Marktest")

No terceiro lugar está Notícias de Gondomar, no segundo A Verdade (que infelizmente não sei de que terra é) e ocupa o 1º lugar do pódio Progresso de Paredes.

Em letra de caixa alta na primeira página:
"JÁ LHE CHAMAM PONTE MALDITA!"

A Ponte do Infante foi inaugurada em Março de 2003, da responsabilidade do engenheiro
Adão da Fonseca. Tem 371 metros de extensão e 20 de largura.

Segundo a PSP - Comando Metropolitano do Porto - registaram-se
no ano 2004 os seguintes suicídios:

1
27 de Janeiro
Um homem de 54 anos, residente no Porto.
2
29 de Janeiro
Uma mulher de 52 anos, residente no Porto.
3
24 de Março
Uma mulher de 54 anos, residente em Vila Nova de Gaia.
4
20 de Maio
Uma jovem de 18 anos, residente no Porto.
5
12 de Julho
Um homem de 74 anos, residente em Vila Nova de Gaia.
6
2 de Agosto
Um homem de (?), residente em Ermesinde.
7
24 de Outubro
Um homem de 31 anos, residente no Porto.
8
5 de Dezembro
Uma mulher de 61 anos, residente em Valongo.


Fevereiro, Abril, Junho, Setembro e Novembro foram meses
de descanso para os sapadores.

Idades compreendidas entre 18 - 31 - (?) - 52 - 2x54 - 61 - 74.

4 homens e 4 mulheres.

Um empate, penso eu, meramente técnico.

fevereiro 02, 2005

CONTOS MINÚSCULOS

Lili, cabo de aço que une um Continente a uma Ilha

Ela havia juntado algum dinheiro e planeava fazer a viagem da sua vida. O desafio era este: viajar durante trinta dias a bordo do cruzeiro Equinócio, navegando de oceano em oceano, pulando de mar para mar, sem nunca parar em nenhum canto de mundo, pois como é sabido, o mundo não tem cantos.

Mas nesse mesmo dia chegou à caixa de correio de Lili um panfleto promocional da agência de viagens O Ultimato e dizia o seguinte: viaje por apenas cinquenta e cinco escudos, da Ponta de Sagres até à ilha da Madeira, numa bicicleta sem pneus com direito a pensão completa, caso lá consiga chegar.

Não sendo impossível a viagem, a proposta intrigou Lili. Bicicleta sem pneus! Sentia-se agora dividida, incomodada por esta proposta surrealista estar a rivalizar com a viagem que sempre sonhara.

Abriu a janela do quarto e durante o resto do dia aguardou que a noite chegasse. Quando os candeeiros da rua se acenderam, foi como se um clique, a resposta decisiva, se acendesse dentro dela. O telefone tocou mas Lili não quis atender. No entanto, depois da voz que Lili tem gravada no atendedor, a mensagem que surgiu foi: vai Lili... vai... vai...

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